sexta-feira, 25 de maio de 2012

Entenda mais um pouco sobre o telemarketing e saiba por que o atendimento é ruim

O operador de telemarketing sofre cobranças, é mal remunerado e está sujeito a doenças ocupacionais. As condições de trabalho se refletem na má qualidade do atendimento ao consumidor.
Laura Hajdú tem 26 anos, é estudante de pedagogia e mora em São Paulo. Uma pessoa comum, um rosto desconhecido. Mas muitos brasileiros já ouviram a sua voz, pois ela engrossa a numerosa categoria de operadores de telemarketing do país, setor que concentra mais de 1 milhão de postos de trabalho, de acordo com a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT).
A expectativa de faturamento de R$ 6,6 bilhões para este ano, segundo a ABT, explica o fato de grandes conglomerados econômicos estarem por trás dos principais call centers brasileiros. De acordo com o site callcenter.inf.br, as quatro maiores empresas do setor são Contax, Atento, Tivit e Dedic, que pertencem, respectivamente, aos grupos Oi/Telemar, Telefônica, Votorantim e Portugal Telecom.
Com exceção da Contax, Laura já atuou nos outros três maiores call centers do Brasil, que prestam serviços para empresas dos mais variados setores. Apesar de congregar atendimentos distintos, o telemarketing mantém uma característica comum: a organização rígida de trabalho, com controle da duração das ligações, metas de desempenho e vigilância constante.
A algumas semanas do Dia do Trabalho, vale a reflexão sobre um setor que, embora seja um dos que mais emprega com carteira assinada no país, ainda é marcado por salários baixos, pouca expectativa de crescimento profissional e ambiente de trabalho com regras bastante rígidas.
Rédeas curtas
A regra de ouro do telemarketing é a máxima produtividade. Em nome dela são impostas metas de desempenho e duração limitada da ligação, a fim de que um mesmo operador atenda ao maior número de clientes possível.
Para “motivar” o operador a atingir suas metas de venda (no caso do telemarketing ativo), as transações, geralmente, são comissionadas. Como o salário é baixo – atualmente o piso em São Paulo é de R$ 515 -, o trabalhador se vê compelido a se desdobrar para atingir o resultado estabelecido e, assim, melhorar seus rendimentos. Por isso tanta insistência na hora de ofertar aquele produto ou serviço “superespecial” aos potenciais clientes. “Você é forçado a vender. Se a empresa pega uma ligação em que o operador não está forçando, ela faz uma advertência. É muita pressão em cima da gente”, conta a ex-operadora Íris dos Reis, que trabalhou na central de atendimento da Vivo, na Atento, de 2007 a 2009.
O chamado “tempo médio de atendimento” (TMA), geralmente, não passa de quatro minutos. Nesse curto período o atendente tem de se virar para ouvir as reclamações e resolver o problema do consumidor. Para Laura, o TMA de cinco minutos dado pela Atento – onde trabalhou de janeiro a março deste ano, no call center da Motorola – é irreal. “Não dava para cadastrar o cliente e auxiliá-lo em um procedimento técnico complicado, como o de um celular Smartphone, por exemplo”, queixa-se.
A fim de atender às exigências de produtividade, o operador deve seguir um “script” – texto pré-elaborado pelas empresas que indica como falar com o cliente, desde a saudação até as respostas- padrão às dúvidas -, o que explica a “robotização” da fala dos atendentes. De acordo com essa lógica, a qualidade do atendimento fica em segundo plano. Para o presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing, Marketing Direto e Conexos (Sintelmark), Stan Braz, deveria haver equilíbrio entre as metas e a satisfação do cliente. Mas, pelo jeito, não é o que ocorre na prática. “Na maioria das vezes os clientes desligavam com dúvidas, pois tínhamos de repetir roboticamente o mesmo script, sem apresentar soluções”, conta Laura.
Quem fiscaliza se as exigências estão sendo cumpridas são os supervisores, que acompanham de perto o trabalho dos operadores e monitoram as ligações. Assim, eles trabalham sob vigilância constante. “Não podemos falar o que queremos porque estamos sendo monitorados. Todas as ligações são gravadas, mas nem todas são ouvidas”, diz Íris. Os atendentes mal avaliados pelas monitorias são penalizados com a redução ou o não pagamento da comissão, além de receber advertência.
Para aumentar o estresse, os operadores não têm sequer liberdade de ir ao banheiro. Para não perderem tempo (e consequentemente dinheiro), as empresas, embora não proíbam ostensivamente, “recomendam” que o funcionário use o sanitário apenas duas vezes ao dia, nas pausas. A prática é proibida pelo anexo II da Norma Regulamentadora (NR) 17, em vigor desde julho de 2007, que visa assegurar a saúde e a segurança dos operadores de telemarketing.
De acordo com Airton Marinho, médico do trabalho e fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a forte pressão psicológica sofrida pelo operador de telemarketing é um fator determinante para o desenvolvimento de doenças. Além dos transtornos de ordem psíquica, como estresse, insônia e depressão, Marinho aponta outros problemas como Lesão por Esforço Repetitivo (LER), distúrbios vocais e auditivos. A NR-17 visa amenizar esse quadro, estabelecendo regras para a atividade, como jornada de no máximo seis horas diárias; pausas de 10 minutos após a primeira hora de trabalho e antes da última, além de 20 minutos para tomar lanche; regras para a dimensão dos móveis, qualidade do ar e nível de ruído no ambiente.
Segundo Marinho, a NR-17 ainda está em fase inicial de implementação, por isso é difícil avaliar se já houve melhorias. Contudo, ele aponta que a fiscalização tem detectado desrespeito à regulamentação. “A quantidade de multas é muito alta porque o descumprimento da norma é evidente, especialmente em relação à limitação ao uso de banheiro e excesso de horas extras”, completa.
Humilhação por todos os lados
Não é raro a empresa colocar o atendente na linha sem preparo adequado. A operadora Rafaela de Paula, que atua no call center dos cartões do banco Santander desde abril de 2009, por meio da Contax, diz que o treinamento prévio, que deveria durar um mês, levou apenas uma semana. “Muitas vezes, eu falava ‘aguarde mais um momento, por favor’, e pedia ajuda ao supervisor”, lembra.
Com trabalhadores estressados e frustrados de um lado e consumidores irritados e mal atendidos de outro, as chamadas tornam-se um campo de batalha. Como aponta Marco Aurélio de Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel), o operador, muitas vezes, funciona como “amortecedor” entre o cliente e a empresa. “Tem gente que parte pra ignorância: xinga, humilha, chama de incompetente”, desabafa a ex-operadora Íris, que não pretende voltar a trabalhar com telemarketing. Mas as ofensas não vêm apenas dos clientes. De acordo com Oliveira, do Sintratel, as denúncias de assédio moral praticado pelo chefe estão entre as principais reclamações recebidas pelo sindicato. “Nós temos casos, por exemplo, da ‘turma dos zerados’. O supervisor faz reunião com todos os funcionários e expõe aqueles que não venderam nada”, exemplifica.
Laura, que já trabalhou em vários call centers, conta que passou pelo problema nas duas vezes em que esteve na Atento, em 2005 e este ano. “Recebíamos ameaças de [demissão por] justa causa e frequentemente nos chamavam para ‘conversinhas’ para falar que éramos incompetentes, que jamais conseguiríamos algo melhor que aquilo”, relata. A jovem foi demitida em março, segundo ela, por não se submeter a situações humilhantes.
Procurada para esclarecer a acusação da ex-funcionária Laura Hajdú, a Atento convidou a reportagem para conhecer uma de suas 25 unidades. Durante a visita ao call center do Limão, em São Paulo, Régis Noronha, diretor executivo da empresa, apresentou a central de atendimento e reiterou que a prática de assédio moral é contrária à política da companhia. “A empresa investe constantemente em treinamento e capacitação, tanto de teleoperadores como da própria liderança”, afirma. Ele ressaltou ainda que a Atento disponibiliza uma ouvidoria para receber eventuais denúncias dos trabalhadores.
Já o Sintelmark atribui os episódios de assédio moral nos call centers aos órgãos de defesa do consumidor. “As cobranças por atendimento em menor tempo acabam se refletindo em pressão interna – do diretor sobre o gestor, deste sobre o supervisor e, por fim, deste sobre o operador”, justifica Stan Braz.
O PERFIL DOS OPERADORES
De acordo com a ABT, 60% dos operadores de telemarketing têm até 25 anos e, para cerca de 45%, este é o primeiro emprego formal. E não faltam explicações para esse perfil: o jovem é, historicamente, o maior prejudicado com o desemprego. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2001, 3,5 milhões de jovens em condição economicamente ativa estavam ociosos – quase metade do total de desempregados à época. Assim, o telemarketing é uma das poucas alternativas que restam, já que não exige qualificação ou experiência.
Além disso, 76,8% dos atendentes são mulheres. O setor também emprega considerável número de negros, obesos e homossexuais. Para Selma Venco, socióloga do trabalho e pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a aparente acolhida a grupos menos favorecidos pode ter razões menos nobres. “O telemarketing dá invisibilidade a essas pessoas, que sabem das barreiras que enfrentam para se inserir no mercado de trabalho. As empresas fazem uso dessa ‘dependência’ para cobrar performance, superação de metas etc.”, observa.
A falta de melhores oportunidades de emprego explica a massa de trabalhadores nesse setor tão precarizado. Além das más condições de trabalho, o profissional sofre com o estigma da incompetência, que o associa ao uso exagerado de gerúndio, à inconveniência e à ineficiência dos SACs. Não é à toa que, segundo Íris, muitos operadores têm vergonha de assumir a profissão. “Para a sociedade, somos os ‘dalits’ do mercado de trabalho”, resume Laura, em alusão ao grupo excluído do sistema de castas do hinduísmo.
Matéria originalmente publicada na Revista do Idec, edição de abril de 2010. O tema é o mesmo tratado no livro-reportagem do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), finalizado em novembro de 2009.

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